quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

PALAVRAS

PALAVRAS

Usando as palavras, digo ao poeta:

Com a pá, lavras
sobre pedras
palavras
num dia neutro
que não brotarão.

Lavras palavras
com a pá
sobre pedras?...

É tempo perdido.
Palavras são ingredientes
dum bolo sem receita,
sem fermento...
não dão liga.

Liga não, Poeta,
é assim mesmo.

Palavras são palavras.
Pá, é um objeto.
Lavras, é um verbo.

Use o objeto como verbo;
o verbo, como objeto,
que poeticamente
tá resolvida a questão. (?)

Sem palavras,
ele pegou sua pá e se foi.
Antes, porém, disse-me:
-- Ô Zé-ninguém:
às vezes lavras uma ideia legal.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

A NATUREZA DO LOBO

A NATUREZA DO LOBO

-- Que bundão! Que peitão!
Que pernão! Que corpão!

-- Que zoião, hein, Lobo mau!?

Agora no diminutivo:

-- Que bundinha! Que peitinho!
Que perninha! Que corpinho!

--Ô, Lobo Mau?
Teu desejo é maior que teu zoião!
Pensando bem, tu tens o olho maior
que a barriga.

Fim.

GRADE RAIL / RAILGRADE

GRADE RAIL

Se um dia
recostado na divisória
de idas e voltas
nesta pista sem limite
e o destino sombrio
ser-me só presságios
de ideias incineradas
na fornalha
de quereres em cinzas
e a ira sobrepor
a bondade resquicial em mim,
estarei observando
não inobservado...
viajarei a mil cidades
saltando as emboscadas
na velocidade da luz,
e se lesmando
meu corpo
inatingir o objetivo
em pensares fúteis
terei a dimensão exata
de quão inúteis
são meus sobressaltos emocionais
tão desiguais
tão inerciais
quanto meus olhos
ao ônibus de saltimbancos
à direita
a carreta do circo teatral
à esquerda...
e eu no meio
sério
tentado
sem talento
a qualquer função
pra fugir da situação
que a distância não resolve
apenas absorve minha indecisão
rodando nas faixas infindas
da rodovia a lugar nenhum
de um cão sem dono.

.......................


RAIL GRADE


If one day
lying on partition
round trips
no limit at this track
and the dark fate
me just be omens
ideas incinerated
the furnace
that you do want to ashes
and will overlap
resquicial goodness in me,
be watching
not unobserved ...
I will travel a thousand cities
skipping ambushes
the speed of light,
and slugs
my body
unattained goal
futile to think about
I have the exact dimension
how useless
are my emotional somersaults
as unequal
as frames
as my eyes
the bus acrobats
right
the theatrical trailer of the circus
left ...
and I mean
serious
tempted
untalented
any function
to get away from the situation
that the distance does not solve
only absorbs my indecision
running endless bands
the road to nowhere
a stray dog.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

O ILUSIONISTA

O ILUSIONISTA

ele atravessava paredes.
ele atravessava o fogo.
ele sumia frente aos espectadores.
ele deixava um container cair sobre sua cabeça.
etcétera.

e saia completamente ileso de tudo

um dia conheceu uma mulher de verdade
e foi iludido.

A RUA POR QUE PASSO

A RUA POR QUE PASSO

VAGANDO, A RUA DA LIBERDADE ME SOCORRE
QUANDO NO DIA MINH'ALMA DESEJA PERDÃO,
EM TODA RUA, HÁ ALEGRIA, UM QUE MORRE
MAS NESTA... MILHARES BUSCAM SALVAÇÃO.

MÃOS TRÊMULAS, RISOS NADA ENGRAÇADOS
SEGURO MINHA VERDADE COM A INCERTEZA
EM PAZ RODEADO POR VIS CIVIS SOLDADOS
QUE VEEM A PUTA NUMA REDIMIDA TEREZA.

TODO DIA, AMIÚDE, BUSCO O QUE NÃO VEJO
E VIRANDO A ESQUINA APERTO OS PASSOS,
NO FORMIGUEIRO DESTA RUA NUA RASTEJO
VOLTO AO LAR PRESO EM MIL EMBARAÇOS,

DE ESPREITAR COMO CÃO SOCIAL ANDEJO
O ÍCONE HUMANO INSANO E SEUS TRAÇOS.


Eu?

Eu?
, pernoito longe das estrelas artificiais.

Na verdade
, prefiro ser ninguém só.
E só
, não ter saudade.

Mas
quando estou lá
, de estar aqui sinto vontade.

Se um dia eu encontrar o amor
, lá na city de ilusões perdidas
, fugirei pra cá
num encontro comigo mesma
sob os veros pontinhos do firmamento
tão sós
, tão longe da infelicidade
das estrelinhas a rés do chão
que se apagam no dia
ao que sinto de verdade.

Eu?
Sou apenas um minúsculo corpo
vagante
no universo cabível em mim.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

PRISÕES

PRISÕES

aqui onde estou os mosquitos me aborrecem
um cão geme o pão diário deitado no chão
a janela está fechada, meus cachos crescem
o lâmpada acesa, o céu relampeia em trovão.

aqui sou prisioneira, mulher sem perdão
o teto podre todo dia range pra desabar,
de minha sacola tiro o último teco de pão
um dia eu mesma precisarei me libertar.

nos olhos uma porta de aço faz-me lembrar
hoje eu gostaria de estar entre cavalheiros
hoje eu gostaria de ter minha paga e cantar
mas tudo é-me flores em jazidos canteiros.


gostaria de estar à beira dum rio imaginando
saudade daqui que dúbia teima em voltar,
um anjo amigo na esquina está me esperando
na face de meu homem eterno fora do lar.

minha casa já não casa, enfeia o fétido pombal
nela perco o medo, fecho a porta para o mundo
sou prisioneira da liberdade longe do súbito mau
entre insetos, um cão e um querer vagabundo.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

E se meu corpo...

E se meu corpo...

E se meu corpo
tem uma luz teimosa
e um dínamo
cada vez mais vagaroso...

E se meu corpo
sente o afã inverso
de meu nascimento...

E se meu corpo
de dois olhos cansados
já não revisa fotos
no álbum de recordações
na gaveta cupinizada...

E se meu corpo
numa sobrevida
--
inda que os dias sejam poucos
e o câncer expanda-se
sobre meus órgãos vitais
--
teime em flertar com a alegria
contorcendo-se em dores
mesmo que o sangue venoso
jorre no branco alvo de minha paz
--
e eu peça a morte:
deixe-me morrer!
sem nunca saber
se entre a dor e a tristeza
meu ímpeto motriz
foi até o último fôlego
dizendo sim à vida...

Esse meu corpo frágil
vive no dueto
entre carne e espírito.
Morrer é fácil.
É sem sentido.
Basta ler o noticiário.

Difícil é lutar na batalha perdida
porque o espírito não quer separar-se...

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

só mais um tiro certeiro

só mais um tiro certeiro
(título provisório)

um homem adestrado com chicote
menino com arma na cintura,

o intelectual observa
a ronda da viatura policial,

os varais estão coloridos,
as pombas nos beirais
defecam na viela enlameada
ilustrada de eletrodomésticos
e móveis em decomposição.

o sangue da vítima
corre pela valeta de esgoto
junto com os dejetos humanos
produtos de limpeza
e impurezas comestíveis

uma dezena de fiéis vai à igreja
clamar pelo defunto
com mosquitos na boca.

os carros-cabritos desfilam
o som do pancadão marginal


as biscates mostram a bunda
e tatuagens de facção nas costas

as barracas abaixam as cortinas
o silêncio incomoda os ouvidos

há buracos de balas perdidas
nas paredes e biombos
que separam os lares:
marcas da guerra do tráfico
comércio à beira do tráfego
dos boys bem alinhados
que se fartam
do trabalho de moços vagais,


o velho enrola um baseado
antes de se tornar evangélico
confessar
e tornar-se santo
para reprovar sua realidade,

tv a cabo, sim
internet, sim, sim, são virtuais!
(...)
água
luz
(tudo é gato)
até as camisas de times de futebol
até celulares com chips trocados,

lá no pasto
onde as galinhas ciscam
e um cavalo magro pasta
tem um poço artesiano destruido
que a prefeitura cavou,
ali se reúnem os cabeças
para ditar as leis do pedaço.

ninguém sai
ninguém entra
ninguém pia

quanto mais processos
maior a importância e respeito
quanto mais cadeieiro
maior o número de lambe cu.

o estopim tá aceso
e os cusões
planejam um debandada
à vida politicamente correta

pardos, mestiços, afros
brancos
todos comem na mesma panela
na pequena favela em expansão

quem será a próxima vítima?
só a mãe vai chorar no enterro?

o intelectual anota na memória
faz-se a ocorrência:
morto número tal

um intervalo de tensão
normal
a vida põe-se em movimento
para uma nova pausa

do tiro certeiro
entre tantos
que nunca saem pela culatra.

o que me dissera

o que me dissera
já nem levo em conta,
tenho só teu cheiro no lenço
e uma ilusão tonta


o que me dissera
até já esqueceste,
mas ficou gravado
no meu imaginário
como fera na jaula
e um corpo amarrado
agonizando pra libertar-se
num esforço vão.


o que me dissera
há muito descartaste
em contraste
ao que me dirias hoje
se me visses
espezinhado pela paixão.


pelo que me dissera
deixei-me enganar
e cri
que o que me dissera
como esta lembrança
ainda voltarias.


o que me dissera
foi tão verdadeiro
que o teu paradeiro
se distancia
cada vez que flerto
com a felicidade
que só tu
essa mancha em meu peito
limparia
se o que me dissera
fosse o inverso da alegoria
deste futuro maquiado
que há de desfazer-se
quando
o que me dissera
tu virdes dizer-me
de novo - ao vivo.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

NO DIA DE MEU NIVER

NO DIA DE MEU NIVER


Tava um frio do cacete.
Não pesquei nada, ó, só peguei canseira.
Os peixes estão em greve, pensei, fazer o quê?
Na volta, ali, esperando o busão, um puxadô
de carrocinha, sei lá, catador de lixo reciclável,
veio em minha direção ao notar minhas varas.
Parou e me convidou pruma pescaria na baixada.
Disse-me que tava dando tainha pra caralho.
-- Meu, só 20 conto fica a parada. Só vai sangue bom.
Mas se você quiser dar um tiro, tá ligado, tá limpo,
cada um, cada um...
Deu-me seu número de celular e disse que ia marcar
comigo, sem furo - já que gostara de minha personalidade(?).
Enfiou-se entre as hastes paralelas da carrocinha lotada
até a tampa , e se foi na contramão da avenida movimentada
no lusco-fusco do dia, pra mim neutro, ofuscado?
...

Cheguei no meu barraco pra correndinho dar um tapa no visual.
Tomei um banho, ó, fui pro forró, pois acho mais fácil descolar
uma mina por lá. Antes, porém, dei uma passada no baile
da sociedade politicamente correta, por volta das 8 da noite.
Tomei umas brejas por lá e fiquei do jeito que o diabo gosta.
...

Tava meio torto no forró. Uma maluca tocou no meu ombro.
Pediu-me um gole da minha latinha. Disse-lhe que não, mas
que pagaria uma cheia pra ela. Ali, trocando umas ideias,
tentei até dançar com ela. Sabe cumé alegria de bebum em dia
aniversário...?
A mina achou-me bonitão, disse que tinha 22, e uma buceta
enorme. E por vintão me faria uma chupeta em qualquer
canto.
Fui no embalo. Na caminhada notei que ela tava com as persianas
baixas e brilho nos olhos próprio dos viciados.
Paguei-lhe um churrasquinho em frente a estação do trem ali de
Mauá. Meu, a maluca tava esfomeada.

Levei-a num hotelzinho meia boca. Ela foi dar um mijão.
Fiquei de pé, estático. Na saída do banheiro ela mostrou-me
sua avantajada buceta. Disse que não transaria comigo.
Trato é trato. Tirei uma nota de 20 do bolso e lhe dei.
Colocou a camisinha no meu pau que teimava em não levantar.
Chupou e chupou. Não senti tesão.
De repente ela se levantou da cama e saiu em disparada.
Claro que ia comprar crack, fumar o cachimbo da paz.
...

Na caminhada de volta, meia-noite mais ou menos, embarquei
no último trem: "como uma garota tão bonita se perde assim?"
Não queria mais comemorar(?) porra nenhuma. Que vida é esta?
Todos estão desesperados, carentes, excluídos, ou, se
autoexcluem duma e doutra forma.
A depressão é foda. A dela, a minha... a de todos...

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

A FOME

A FOME

Eis que vai a pança vazia
Brigar por migalhas de pão,
Eis que no recanto
Dá-se filé ao cão

Eis que a fome
É mais que pão e filé,
O que mais dói
É a fome de amor
Insentida
Que não está no palácio
Nem na casinha de sapé

Há sobras no lixão
Produzindo gás inflamável,
As ratazanas estão gordas
O corpo magro definha
No monte de comida apodrecida

Há fome! A fome!
Caros cabeças
Cara ONG ausente,
A produçaõ excedente
Tá no olho de gente
Que a pança encheria

Como é cômodo
Ter a geladeira
O armário de mantimentos
Repletos,
Petiscar frente a TV
E ver que há fome estampada
Nos esqueléticos etíopes

Há fome!
A fome
Não sai do meu raciocínio

NOTEM
Há fome! A fome!
SINTAM
A navalha no intestino
Da pança! Da pança!
Com fome! Com fome!
Dum ato de amor

Um mendigo pediu-me
Um prato de comida.
Dei-lhe uma cesta básica.
Sinto fome, disse ele.
Chorei.
Sinto fome, deus meu,
De jejuar aos pobres!
Sinto ter a resposta
Que nunca há de globalizar-se.

PM.

O TÍMIDO

O TÍMIDO

Quando vejo a Maiara eu travo, gaguejo. Tremo mais
que vara verde. Tô até pensando em arrumar um emissário
pra, no dia de seu aniversário, declarar-me à moda antiga.
Vô trocar meus óculos de fundo de garrafa por lentes de
contato... disfarçar minha cara de nerd.
No Google tem tudo... até transliterarei pro inglês umas
frases de amor que copiei em sites de literatura, pra
dizer no ato, lógico.
...

Um amigo meu duvidou de minha sexualidade: "Cê é homem
ou um saco de batata?... Chega junto, mano! Cê é homem ou
uma franguinha?" e etc. Sou homem, mas um saco sem fundo
de timidez - penso com meus botões.
...

No dia do encontro vou colocar minha roupa domingueira,
borrifar pelo corpo todo o perfume paraguaio que comprei
na barraca do shopping popular. Sei que vou suar frio, mas
preciso tirar o pé do breque, consultar um analista. Tem
remédio? E se ela também for tímida?
...

Penso em tanta sacanagem. Ela nem sabe que sou um
amante antigo (recuso-me a enumerá-las). Vou treinar um
pouco na internet em salas de bate-papo. Preciso urgentemente
de uma webcam... Tenho duas camisinhas com prazo de validade
vencido (um pensar pouco tímido que me ocorreu).

Ah, a Maiara, do barraco 16-b da Ladeira do Escorrega Lá Vai Um.
Disseram-me que ela assiste muita novela e filme enlatado
americano. São os seus padrões de beleza. Pô, mas sou um SRD
com cara de cara brasileiro... sei não.
...

Sou tão tímido que, em frente ao espelho, fico olhando pro
meu pinto ereto, imaginando posicões e situações com a
Maiara (que vergonha dizer isso; corei).
Sou tão tímido que acho mulher bonita só vestida. E jamais
vi-me transando no claro.
...

Sou um retardado. Retardei demais. Minha abstinência é
um caso pra ser estudado. Minhas experiências foram
com mulheres remuneradas, ah, mas com a torcida
gozadora de meus manos leais.
...

Fiz a Maiara saber que sou um cara moderno: que passo,
lavo, cozinho e faço faxina. Lobby, direi.
Em resposta fiquei sabendo, palavras dela, jurou-me o
Cupido, que, pra que eu preciso de mulher?... só pra lazer?
...

Pô! Um a zero pra ela. Não sei porque os pretendendes dela,
desconhecidos que aparecem na surdina, a chamam de
Boca de Veludo, que por dezinho faz tudo.
Pô! mas ela é tão apetitosa! A diferença entre nós é que ela
não sofre de complexo de rejeição, será? Será que minha
timidez tá tirando um cochilo na sacanagem, no instinto
inerente aos machos? Sei não!

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

MARCAS

MARCAS

SIMULASTE O ROMANCE
QUE INDA COABITA EM MIM,
IRREVERSÍVEL.

SIMULEI OUTROS.

MEU ÍMPETO DEFINHA
NA CURVA DESCENDENTE.

SOU UM GRANDE ATOR NÃO-FICCIONAL
PLEITEANDO UM FILME COM FINAL FELIZ.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

CABEÇA DE POETA

CABEÇA DE POETA


Cabeça de poeta
é mesmo pássaro arisco que voa alto.

Quando ele pousa no chão,
ele tenta agarrá-lo só com as mãos...
Difícil, quase impossível.

O poeta gosta disso.

Mas... se um dia conseguir prendê-lo,
virá sobre ele a frustração, o desencanto.

O pisca-pisca apaga-se...
as ondas tornam-se estáticas...
vira pêndulo de relógio sem ponteiro.

Cabeça de poeta
é mesmo pássaro arisco que voa alto,
bem longe donde este asfalto possa levar...

Gaiolas são casas que o pássaro não podem reter.

POEMA ESQUECIDO




Esqueci meu poema mais sublime
Em dois minutos apoteóticos
Vagueando pela avenida caótica

(Lembro-me de tê-lo recitado em voz baixa
Mas desejando que todos o ouvissem)

Eu caminhava observando
Os figurantes taciturnos e viventes
De um mundo invisível só meu...

Quantas vezes tentei relembrá-lo
Escrevê-lo
Torná-lo real
Quantas vezes

Aqui
Voltando na contramão
Desta mesma avenida
No desassossego desta madrugada
Lembrei-me de tê-lo esquecido

E quantas vezes fiz o trajeto
Indo e vindo com palavras
Tão iguais
Mas que nunca serão as mesmas