sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Amélia 21

Amélia 21.
Ele, soltando o verbo, de lá pra cá no fundo do quintal:
-- Mulher tem que esfregar roupa no tanque! Mulher tem
que fazer minha comidinha na hora que eu quero! Mulher
tem que passar minha roupa... e me esperar cheirosinha
na cama... espremer minhas espinhas nas costas...

Em seguida, a esposa chegou do trabalho:

-- Oi amor, que saudadinha de você! -- todo meloso --
Já arrumei o quarto, lavei a loça, passei umas peças,
limpei o chão, o banheiro, dei um lustre nos móveis
e esfreguei suas calcinhas. Olha, a casa tá nos trinques!
Ah, fui na loja e comprei a tinta de cabelo no tom
que você me pediu, amanhã pinto teus lindos cachos, tá?

-- Você preparou meu banho? Estou exausta! Fez aquele
macarrão alho e óleo com filé de peixe pra mim?
Deu brilho nas minhas sandálias?

-- Claro. Ah, amor, vou no bar jogar conversa fora,
comer um torresminho e tomar uma cerveja, tá?
Você vai fazer uma fezinha no jogo de bicho?
Então aproveita.

E, no caminho a mesma ladainha interior:
"mulher isso, mulher aquilo". Uma empregada, ah,
nem pensar, seria o fim do casamento... Imagina
que a Amélia o deixaria o dia todo com uma companhia
feminina!? Sem chance.

Quando chegou em casa, meio que caçando galinhas,
encontrou a porta do quarto trancada e dormiu no
sofá. Um enorme vazio tomou conta de seus pensamentos.
Precisava arrumar um emprego urgente, pois aposentara-se
cedo, jovem, por conta de um problema na coluna.
Diarista talvez? Taxicista? Mas duro seria receber uma
"comida de rabo" logo às seis da manhã quando a fera
sairia da jaula.

Alisou a cadelinha tão carinhosamente se autointerrogando
sobre a rotina chata em que se encontrava e sentiu saudades
do tempo em que trabalhava de pedreiro. "Pô! a mulher não
podia ser como a cadela." E dormiu.

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